Nos primeiros três séculos, a diversidade de perspectivas sobre quem era Jesus e o que significava ser cristão eram enormes, tanto que no consenso atual dos historiadores e teólogos recomenda-se falar nos cristianismos primitivos, (no plural).
O NOVO TESTAMENTO
O cânone do novo testamento demorou a ser estabelecido, até porque o cânone do Judaísmo, o antigo testamento, ainda não estava definido.
É possível que o cânone judaico só tenha sido definido no século II.
No início, os cristãos consideravam os livros sagrados judaicos.
O PRIMEIRO AUTOR CRISTÃO
A primeira epístola aos Tessalonicenses, escrita por Paulo provavelmente no ano 51, foi o primeiro texto de autor cristão, cita trechos do Pentateuco e dos profetas israelitas.
Da vida de Jesus, Paulo só fala da última ceia, que foi crucificado e ressuscitou, e cita um ou outro ensinamento de Jesus. Não se sabe porque ele não fez a biografia de Jesus.
As biografias de Jesus só foram escritas a partir do ano 65, quando Paulo já tinha encerrado a sua carreira apostólica.
COMUNIDADE DE JERUSALÉM
Há citações de que inicialmente os apóstolos originais, de Jesus e membros da família do Nazareno fundaram a comunidade cristã da Judeia, que pode ter acabado entre os anos 66 e 70.
As igrejas fundadas por Paulo veneravam o grupo de Jerusalém. Com o fim deste grupo acaba qualquer autoridade central.
CRISTOLOGIAS
Com o fim desta autoridade central houve uma explosão de diversidade de doutrina sobre quem afinal era Jesus. Cada doutrina é chamada de cristologia, segundo Chevitarese, são quatro cristologias convivendo entre os anos 50 a 60.
a) Para Paulo, Jesus era o Cristo porque ressuscitou.
b) Para o evangelho de Marcos, quem fez Jesus se tornar o Cristo foi o batismo por João Batista.
c) Os evangelhos de Mateus e Lucas consideram que Jesus se tornou o Cristo a partir do seu nascimento.
d) Enquanto João vê Cristo como pré-existente no próprio mundo.
Ainda deve-se considerar que fragmentos dos evangelhos judaicos – cristãos citados por autores posteriores como Jerónimo (347-420) havia pelo menos três evangelhos da mesma linha, o Evangelho dos Nazarenos, o Evangelho dos Ebionitas e o Evangelho segundo os hebreus, que apresentava a ideia que Jesus não era divino e segunda pessoa da santíssima trindade.
O Evangelho dos Nazarenos, que parece uma versão do evangelho de Mateus, acreditava que Jesus era um ser humano especialmente bom, adotado por deus no momento do batismo.
O Evangelho dos Ebionitas fala que houve um certo homem chamado Jesus, que tinha cerca de 30 anos de idade. E foi ele quem nos escolheu.
Por outro lado, o bispo cipriota Epifânio de Salamina, morto em 403, regista que leu no Evangelho dos Ebionitas que Jesus era uma espécie de anjo encarnado – inferior a deus, mas não totalmente humano.
BIBLIOTECA PERDIDA
Em 1945, foi encontrada uma jarra selada enterrada, que continha treze códices de papiro embrulhados em couro. Os códices contêm textos sobre cinquenta e dois tratados maioritariamente gnósticos, três trabalhos pertencentes à Corpus Hermeticum e uma tradução parcial de A República de Platão. Muitos gnósticos acreditavam que Jesus não era o mesmo deus do antigo testamento, e sim, filho ou primeiro ministro do verdadeiro deus supremo.
IDEIAS EXISTENTES NA FORMAÇÃO DO CÂNONE
Marcion de Sinope rejeitava o deus sanguinário dos Judeus, e diferenciava o bondoso pai de Jesus. Ele achava que Jesus não era um humano de verdade, rejeitava o nascimento de Jesus e o cumprimento de profecias do antigo testamento na vida do Messias.
EVANGELHOS CANÓNICOS
Bispos e pensadores cristãos, como Irineu de Lyon, começaram a defender a definição de um cânone, mas este debate não parecia ter um fim, até que o cristianismo passou a ser a religião oficial do império Romano e o Imperador Constantino passa a promover a uniformização do cristianismo, e a determinação de um cânone único e coerente, o que deixou de fora dezenas de textos de cristãos judeus, gnósticos e outros "hereges". Mas Constantino não concluiu o seu projeto.
A primeira lista dos livros do novo testamento tal como é hoje, foi do ano de 367, determinada pelo bispo Atanásio de Alexandria.
A INFÂNCIA DE JESUS
Os autores dos evangelhos canónicos quase nada falam da infância e adolescência de Jesus. Jesus só aparece bebezinho e depois aos 12 anos numa passagem triunfal no Templo de Jerusalém.
Os primeiros cristãos tentavam imaginar, como era Jesus antes da vida pública.
Então foram escritos os evangelhos da infância, como o de Tomé. Especialistas como Bart Ehrman, professor de história do cristianismo antigo da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill (EUA), consideram que estes trechos são midrash (textos inventados para completar narrativas, comum entre os judeus).
Um trecho de Tomé relata que Jesus estava moldando passarinhos com barro num sábado, dia santo judaico. Um judeu chama a atenção de Jesus e o menino bate palmas e as aves saem voando.
Estes textos são questionáveis, retratam um menino Jesus usando poderes milagrosos de forma fantasiosa. Num trecho, um menino começou a desfazer umas represas que ele tinha feito nas margens de um riacho. Jesus irritou-se e fez o menino secar completamente. Noutro trecho um menino passou correndo e esbarrou no seu ombro, Jesus ameaçou o menino que caiu e morreu. Noutro os aldeões vão reclamar dele com José e eles ficaram cegos e ele amaldiçoou um de seus professores. Noutro ele ressuscita um amiguinho que caiu do telhado da casa. Fez madeira crescer milagrosamente para que José terminasse seus trabalhos de carpintaria.
Especialistas como o franco alemão Oscar Culmann(1902-1999), chegam a agradecer a deus pela não inclusão dos evangelhos da infância no novo testamento.
EVANGELHOS GNÓSTICOS
Para alguns seguidores de Jesus, Tomé (gémeo, em aramaico) apelido Dídimo (gémeo) ou Dídimo Judas Tomé, autor do evangelho de Tomé, era gémeo de Cristo.
Também nas narrativas canónicas, Jesus pede aos apóstolos que lhe digam quem ele é. Tomé lhe disse: "Mestre a minha boca é totalmente incapaz de dizer o que és".
Disse então Jesus. "Não sou teu mestre, pois bebeste e te embriagaste da fonte borbulhante que eu mesmo guardo".
O evangelho de Tomé representa ideias gnósticas, que o conhecimento secreto transmitido por Jesus é o responsável pela salvação e não a fé na morte e ressurreição, pois ali nem se fala em paixão de Cristo, ele é sempre descrito como o "Jesus vivente".
O evangelho de Tomé cita que Pedro fala: "Maria tem de nos deixar, pois as mulheres não são dignas de viver".
Jesus contradiz: "Eis que eu a guiarei para torná-la masculina, para que também ela se torne espírito vivente, como vós que sois homens, pois toda mulher que se fizer homem entrará no reino dos céus".
Outro texto narra: A companheira do Salvador é Maria de Magdala. O salvador amava-a mais do que a todos os discípulos, e ele a beijava com frequência na sua boca (os termos em destaques estão ilegíveis no original).
O DOCUMENTO Q
Há uma ideia que nos primórdios do cristianismo havia um documento hoje perdido contendo os chamados lógia (declarações) de Cristo, o documento Q, que parece ter dado origem ao Evangelho de Tomé e aos Evangelhos de Mateus e de Lucas.
CONCLUSÃO
O personagem Jesus Cristo construído a partir desta descrição histórica, certamente não é a verdadeira pessoa, o Jesus que deu origem ao cristianismo.
Texto de Djair Lima