sábado, 17 de março de 2018

Por que gostamos de nos iludir? (Parte 2)



Num "relacionamento com deus" cada um pode criar para si o cenário que deseja.

Depois de terem suas mentes cauterizadas e totalmente estimuladas pelas fantasias criadas ou auto sugeridas pelos seus líderes, os indivíduos que fazem parte dos agrupamentos religiosos podem cometer os mais diversos males a si mesmos por anos a fio sem nem se dar conta do que estão fazendo. Pior ainda é quando cultivam a ilusão de que perdendo sua a vida aqui por amor a cristo, achá-la-á no paraíso.

Toda irracionalidade auto destrutiva ou autodepreciativa é louvável nesses recintos pois esse é o sinal máximo de que o indivíduo estar sendo guiado por deus ou trabalhando em favor dele. Por isso ofertam dinheiro, tempo precioso, obediência incondicional e em vários casos a própria sexualidade aos seus líderes para “agradarem” ainda mais a deus por estar agradando quem o representa. A ilusão de que ajuntar-se a outras pessoas de mesma linha de pensamento os tornam melhores que todas as demais pessoas no mundo, pode ser quem sabe o fator principal que motiva tais atitudes. Sou melhor que você e isso me conforta! É o que muitos nesses recintos gritariam se pudessem.

Quanto maior for o nível de ilusão sustentada ou produzida por um indivíduo nesses recintos, maior será a áurea de mistério, poder e autoridade envolta nesse mero mortal. A capacidade de criar nos outros cenários mentais paradisíacos, descrições surreais do inferno ou de fazer premonições sobre a vida dos outros, pode fazer com que pessoas fiquem fabulosamente ricas nesses recintos e passem a influenciar inclusive fora dos limites daquele recinto. A capacidade de confabular, iludir, ludibriar e mentir de modo intencional pode ser considerado como um dom de deus nesses lugares. Louco é quem tenta provar o contrário. “Os mistérios de deus é loucura para os homens”! Eles dizem prontamente usando a própria bíblia como defesa.

As igrejas chegam ao clímax, quando entre esses, alguns afirmam publicamente no meio do frenesi coletivo, que estão vendo anjos, demônios, chave de vitória, laço de morte sendo cortado ou qualquer coisa que sirva para inchar ainda mais o ego daquele que desesperadamente busca no mundo das fantasias seu abrigo seguro.

Assim, quando passam a fazer parte dos agrupamentos religiosos, esses indivíduos não percebem que estão sendo explorados por gente igualmente iludidas ou mal intencionadas. Na verdade, eles não consideram exploração se a performance naquele ambiente pelo “Ilusionista” acrescentou algo a mais no mundo das ilusões desses indivíduos. Alguns deles estão nesses recintos esperando uma “benção” há mais de 4 décadas sem desistirem, pois diariamente nas reuniões o líder faz projetar na mente destes, o cenário que eles desejam. Já disse na parte um desse texto, que na maioria dos casos nosso cérebro não distingue o real e o imaginário, só a razão o faz.

Não há nada mais “broxante” nesse modelo de culto religioso, quando em uma pregação um pregador desavisado trás os ouvintes de volta ao mundo real, o mundo onde você é responsável pelos seus atos e não os seres misticamente criados como bode expiatório ou objeto de desejo.

Em nossa sociedade por exemplo, há indivíduos que preferem manter relações “amorosas” com brinquedos sexuais infláveis por esses não serem capazes de corresponder, criando assim a ideia de que eles mesmos estão sempre estar por cima, dominando a situação. Do mesmo modo, muitos se relacionam com o deus cristão por que esse nunca respondeu pessoalmente, pois se pudesse fazê-lo e impor sua vontade diretamente sem o auxílio de terceiros perderia seguidores de imediato. A maioria de nós “gostamos” do outro até o ponto em que o outro estar calado. Quando o outro fala e emite opinião própria passamos a desprezá-lo ou odiá-lo. Deus só é bom para a maioria dos cristãos por nada fala, apenas houve em silencio suas projeções. Se deus falasse não prestava e deixaria de ser deus.

As pessoas consideram como loucas ou pervertidas pessoas que conversam com plantas, seres inanimadas ou “se casam” com brinquedos sexuais infláveis, mas consideram como pessoas de fé e cheias de deus, indivíduos que se trancam em um quarto, conversam com o invisível chorando e implorando por algo que na maioria das vezes eles mesmos poderiam resolver.

Do mesmo modo ninguém considera também como sendo um ato de perversão sexual ou até mesmo uma pretensão de orgias sexual coletiva, quando beatas enclausuradas, cada uma delas dizendo estarem reservando sua sexualidade para casar com jesus assim que deixarem esse corpo. Aqui na terra, para os que seguem tais linhas de raciocínio, ver o próprio corpo nu ou somente pensar em uma parte do corpo nu do outro, é motivo de mais de uma semana de duras penitencias. No céu, todas essas senhoras juntas intentam possuir o corpo de um mesmo homem e isso não tem problema algum nem para elas, nem para quem apoia essa causa. Não há pecado algum nisso.

Do mesmo jeito que muitos apoiam o aborto só se o pai for um homem pobre, o desejo da carne, só é pecado a depender com quem se faz ou quem você deseja. O pecado cristão, além de ser fantasioso pode ser estendido ou reduzido de acordo com as necessidades para manter cada grupo unido ou separado. Tudo é possível de acontecer na mente de um indivíduo onde deus e o diabo compartilham eternamente o mesmo trono, se reversando como mocinho e bandido o tempo inteiro.

Dizem que as pessoas procuram a deus quando vão a igreja, mas isso não é verdade. Se deus fosse “destilado” e apresentado letra-a-letra, ponto-a-ponto como a bíblia o revela de fato, por uma explicação racional e os efeitos dessa crença ´pudessem se exposto sem represália ao longo da história, todos iriam repudiá-lo, aborrecê-lo ou despreza-lo.

Por sorte a maioria dos indivíduos não leem a bíblia e os pouco que a leem não são capazes de assimilarem por si mesmo o seu conteúdo, por que cada congregação cristã já tem os textos específicos para basear sua fé e manter o grupo unido. Por sorte, deus pode adquirir o formato que cada um mentalmente fantasiar. Verdades afastam pessoas das igrejas. Ilusões enchem-nas aos milhares de adeptos. A fé nesses casos é apenas uma capacidade avançada de manter-se iludido, com o ego confortável, enquanto a realidade da vida passa diante de seus olhos.

A exemplo das igrejas neopentecostais, os ouvintes pagam por bugigangas ungidas para ser tornarem supostamente abençoados por deus ao invés de fazerem outro tipo de investimento mais proveitoso como aprender sobre educação financeira e alimentar, para evitar ficarem doentes e “quebradas” a vida inteira. Poderiam também fazer uma faculdade, praticar esportes, fazer um tratamento estético ou qualquer outra coisa que melhorasse sua autoestima, para que deixassem de se sentirem importantes apenas sendo capacho de gente de mentalidade medíocre ou mal intencionada. Os poucos bem intencionados nesses grupos não te oprimem nem te sufocam.

Então essas pessoas pagam para que lhes digam que tem seus corpos possuídos por demônios quando cometem erros, ao invés de assumirem suas próprias falta de caráter. Pagam para que lhes façam acreditar que tem poderes especiais ou “dons do espírito”, e que são melhores que todas outras pessoas do mundo todo, só por que diariamente frequentam determinado grupo e praticam determinados ritos, mas no fundo no fundo sabem que são iguais a todas as outras, e que nas horas difíceis recorrem também aos sistemas jurídicos, médicos e comerciais disponíveis na sociedade como qualquer mortal o faz.

Os que se dizem ou se acham estar acima de todos, na liderança, como intermediadores dos seres mentalmente criados e dos ritos combinados, também gostam de manter a ilusão de que são realmente maiores e melhores que todos os demais, e que de fato tem algum tipo de permissão divinamente concedida para explorar, abusar, manipular ou oprimir a todos que um dia entram por aquelas portas e “aceitaram a jesus”.

Vale notar que o que acontece nos círculos litúrgicos afeta tão profundamente a vida dos integrantes, que antes pessoas autônomas, senhoras de si mesmas, com extraordinária capacidade de resolução de problemas pessoais e coletivos, depois que “aceitam a jesus”, tais pessoas passa a permitir que suas vidas sejam conduzidas por líderes, que em certos casos possuem caráter explicitamente duvidoso, interesseiro e manipulador.

Tanto esses que tinham o controle de suas vidas, quanto os tantos outros que vive de forma desatenta sem planejamento, agora passam a viver constantemente pedindo ou recebendo permissão das lideranças eclesiásticas para todo tipo de procedimento na vida, inclusive para coisas simples do dia a dia como o que comer, o que beber, o que vestir, com quem conversar, o que estudar, e inclusive como e quantas vezes ter relação sexual com o próprio conjugue.

Considero que não haja no mundo uma humilhação tão profunda ou uma falta de juízo tão grande quanto ver uma pessoa de postura ilibada, de caráter integro, que sempre manteve autodisciplina mesmo não estando sendo religioso ou monitorado por outros e agora se deixar conduzir por um sujeito que em certos casos abriu uma igreja justamente para se aproveitar da ingenuidade coletiva, desejando o dinheiro, o serviço, obediência cega, o sexo e a submissão total dos congregados. Não conheço um castigo tão profundo que alguém possa impor a si mesmo. Esse castigo, eles chamam de graça alcançada, favor imerecido, remissão de pecados....

Acredito que entre tantos arrependimentos que os que se libertaram de uma igreja possuem, o maior de todos eles seja o de ter se submetido a gente sem caráter só para não ser perseguido pelo grupo, não ser considerado rebelde ou para parecer “gente boa” diante do grupo. Na maioria dos casos, esse tipo de obediência foi exatamente o que causou o estopim para uma mudança de vida, vendo-a como ela é de fato. Quando alguém para e pensa: eu pagava 10% de tudo que ganhava e ainda prestava reverencia e obediência um cara pior do que eu, preguiçoso, que não gostava de trabalhar, mandão, arrogante, de caráter duvidoso, que me humilhava em público, que se metia em todos os assuntos de minha vida, que assediava sexual ou moralmente minha esposa e filhos e ainda por cima era proibido de me rebelar...PUTA QUE PARIU...que besteira eu fiz na vida! É o que todos os libertos dizem com certeza.

Esse é sem dúvida o pior estágio em que uma criatura racional pode chegar: de se ser voluntariamente submisso a pessoas que veem na venda de indulgencias um negócio altamente lucrativo, trabalhar para que esse tipo de comercio cresça e ainda por cima se submeter cegamente a esse tipo de líder, se deixando ser orientado por esse, insultado em público, perseguido e humilhado toda vez que decide recobrar a sanidade.

Esse é literalmente o estágio em que a evolução de nossa espécie é bloqueada de maneira violenta para depois o sujeito entrar em involução. É vergonhoso, humilhante e ultrajante ver pessoas de bem se deixando conduzir por líderes lascivos, gananciosos, manipuladores, com tendência a todo tipo de luxuria as custas dos fiéis e mesmo assim ainda achar que estão fazendo bem a si mesmo. O pior é que todos que tentam alertá-los dessa falta de sanidade são severamente hostilizados pelos líderes e demais membros do grupo.

Desse modo, quando uma pessoa paga por algum tipo de serviço ungido numa igreja e algo dar errado, não ocorrendo como elas planejaram, há duas “vantagens” nisso: a primeira é que pode-se facilmente dizer que tudo estava nos planos de deus, e algo só acontece quando deus quer! A segunda é que semelhante a uma criança cheia de moedas diante de uma máquina caça níquel ou de bichinhos de pelúcia, dá pra tentar mais uma vez, e outra vez, até as moedas se esgotarem...

As “moedas” dos crentes é a fé, e essa só acaba quando jesus voltar segundo eles mesmos. Como a vinda de jesus também é uma propaganda meramente comercial para atrair público iludido, essa mesma vinda sempre é adiada a cada novo evento, e assim os donos das “casas comerciais” conseguem fidelizar cada vez mais clientes, que usam a fé como se fosse caça-níqueis, tentando a sorte até jesus voltar...



Texto de Antônio F. Bispo, graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Sem comentários:

Enviar um comentário