quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O Dilúvio passado a limpo

 No Génesis, a história do dilúvio é uma das poucas que ainda alimenta o interesse dos cientistas, depois que os físicos substituíram a criação do mundo pelo Big Bang e Darwin substituiu Adão pelos macacos. O que intrigou os pesquisadores foi o fato de uma história parecida existir no texto épico babilónico de Gilgamesh – o que sugere que uma enchente de enormes proporções poderia ter acontecido no Oriente Médio e na Ásia Menor. Parte do mistério foi solucionado quando os filólogos conseguiram demonstrar que a narrativa do Génesis é uma apropriação do mito mesopotâmico. Não há dúvida de que os hebreus se inspiraram no mito de Gilgamesh para contar a história do dilúvio. 

O povo hebreu entrou em contato com o mito de Gilgamesh no século VI a.C. Em 598 a.C., o rei babilónico Nabucodonosor, depois de conquistar a Assíria, invadiu e destruiu Jerusalém e seu templo sagrado. No ano seguinte, os judeus foram deportados para a Babilónia como escravos. O chamado exílio babilónico durou 40 anos. Em 538 a.C., Ciro, o fundador do Império Persa, depois de submeter a Babilónia permitiu o retorno dos judeus à Palestina. Os rabinos ou “escribas” começaram a reconstruir o Templo e a reescrever o Génesis para, de alguma forma, dar um sentido teológico à terrível experiência do exílio. Assim, a ameaça do dilúvio seria uma referência à planície inundável entre os rios Tigre e Eufrates, região natal de Nabucodonosor; os 40 dias de chuva seriam os 40 anos do exílio; e a aliança final de Deus com Noé, marcada pelo arco-íris, uma promessa divina de que os judeus jamais seriam exilados. 



Solucionado o mistério do dilúvio na Bíblia, continua o da sua origem no texto de Gilgamesh. A hipótese mais concreta é que por volta do ano 5600 a.C., ao final da última era glacial, o Mar Mediterrâneo havia atingido seu nível mais alto e ameaçava invadir o interior da Ásia na região hoje ocupada pela Turquia, mais precisamente a Anatólia. Num evento catastrófico, o Mediterrâneo irrompeu através do Estreito de Bósforo, dando origem ao Mar Negro como o conhecemos hoje. Um imenso vale de terras férteis e ocupado por um lago foi inundado em dois ou três dias. 

Os povos que ocupavam os vales inundados tiveram que fugir às pressas e o mais provável é que a maioria tenha morrido. Os sobreviventes, porém, tinham uma história inesquecível, que ecoaria por milénios. Alguns deles, atravessaram as montanhas da Turquia e chegaram à Mesopotâmia, tornando-se os mais antigos ancestrais de sumérios, assírios e babilónios. Estaria aí a origem da narrativa de Gilgamesh. Essa teoria foi recebida por arqueólogos e antropólogos como fantástica demais para ser verdadeira. 

No entanto, no verão de 2000, o caçador de tesouros submersos Robert Ballard, o mesmo que encontrou os restos do Titanic, levou suas poderosas sondas para analisar o fundo do Mar Negro nas proximidades do que deveriam ser vales de rios antes do cataclismo aquático. Ballard encontrou restos de construções primitivas e a análise da lama colhida em camadas profundas do oceano provaram que, há 7 600 anos, ali existia um lago de água doce. 

A hipótese do grande dilúvio do Mar Negro estava provada.

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