terça-feira, 29 de agosto de 2017

A Morte




Foi-me solicitado que dissertasse um pouco acerca do tema "morte".

É realmente um tema que surge amiúde, quando se fala com crentes e muitos deles questionam se os ateus, ao não acreditarem numa vida após a morte (não tem a ver directamente com a descrença em deus, mas está relacionado), não têm medo de morrer.

O medo da morte tem duas vertentes. A biológica e a consciente.

O receio biológico da morte é um "receio instintivo". Os seres vivos evoluíram de seres simples, mais básicos que, antes sequer de terem um sistema nervoso central ou um cérebro, simplesmente reagiam ao ambiente. Todos aqueles que reagiam de uma forma positivo, demonstraram mais probabilidades de se reproduzir e passar essa característica a futuras gerações, mesmo numa altura em que a reprodução se efectuava por osmose ou subdivisão celular.

Portanto, a reactividade a qualquer tipo de situação que nos possa ser potencialmente letal é uma característica ancestral, adquiridas por evolução. É por isso que até os mais básicos seres vivos reagem de forma a tentar evitar serem afectados por algo que pode significar o comprometimento da sua forma e situação básicas.

Mas os seres vivos superiores têm cérebro.
E o ser humano, em particular, tem um cérebro evoluído, com um córtex.
O córtex, que é uma característica particular dos humanos, foi possível porque começamos a usar o fogo e a cozinhar a comida, obtendo mais energia dessa comida cozinhada (porque as moléculas e fibras já estavam pré-dissociadas) e libertando assim mais tempo para podermos explorar e desenvolver outras aptidões, em vez de passar mais de 50% do dia a procurar e consumir mais comida.

O córtex dotou-nos com o pensamento abstracto. A capacidade de não pensar apenas em nós mas de nos colocarmos no lugar dos outros, de inquirir o porquê de certas coisas, das consequências de acções, de avançar no futuro através de construções mentais de causa-efeito e avaliação de consequências. Por isso, somos o único animal que temos a certeza que tem consciência de que irá morrer e, com isso, a consciência de que deixará de existir e de poder continuar a fazer aquilo que fazia enquanto estava vivo. (está em aberto se a consciência da morte é exclusivamente humana, parecendo que também é comum a certos tipos de primatas superiores).

E isso amedronta, porque há também a certeza de que é um processo contra o qual não podemos fazer nada. E é também por isso que se inventaram as religiões que prometem a vida eterna. Porque é muito mais fácil viver a vida com a fantasia de que após a morte as coisas não terminam, do que viver a vida com o constante receio de que inevitavelmente se irá deixar de existir.

Acreditar numa "vida após a morte" É UMA FANTASIA, pois não há qualquer prova de que tal acontece. É uma fantasia agradável, nada mais.

O ateu, que não acredita numa vida após a morte, tem a atitude mais correcta e coerente: faz nesta vida, que é a única que tem a certeza absoluta que existe, o melhor que pode, tornando a sua vida e a dos demais, o melhor possível, sem que isso entre em conflito com a tentativa dos outros fazerem a sua vida o melhor possível também.

A "eternidade" do ateu é obtida através das coisas que fará em vida e que perdurarão após a sua morte, dos filhos que deixa, e das memórias que permanecerão naqueles de quem gostava e que dele gostavam. Resumindo, o receio da morte é natural. O que é errado é viver uma fantasia que leva a que não se aproveite da melhor maneira está vida, na esperança de uma vida melhor após a morte, quando não há qualquer certeza de que essa vida após a morte exista.

Texto de Rui Batista

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