segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Pode comparar-se o cérebro com um computador?



Tenho deparado ultimamente, em certos grupos frequentados por crentes, tentativas vãs de comparar o funcionamento do cérebro e o funcionamento de um computador, para tentar validar o Design Inteligente.

A comparação entre o cérebro humano e um computador não é linear e será sempre tendenciosa ou limitada, quando se tenta estabelecer uma relação entre os modos operacionais.

O cérebro humano tem uma ROM genética. É a herança genética que adquirimos através do processo evolutivo. Uma ROM é uma memória só de leitura (Read-Only Memory). Vem já escrita de fábrica e não pode ser apagada.

Mas, a partir do momento em que estabelecemos contacto com informação e estímulos externos (e isso começa a ocorrer ainda no útero, numa altura em que o sistema nervoso central já está desenvolvido), essa informação é armazenada numa espécie de EPROM, mas muito melhor, porque é dinâmica e não requer que seja totalmente apagada para renovar os dados.

Não! O cérebro humano funciona como um intermédio entre EPROM e RAM, alterando a base de dados e inclusivamente alterando o motor de inferência que analisa esses dados.

É "programação dinâmica e auto-modificável", e isso NÃO EXISTE nos computadores (ainda!).

(Para entenderem bem, uma EPROM é uma Erasable Programmable Read-Only Memory. Uma espécie de ROM que pode ser apagada, re-escrita, mas que mantém os dados mesmo quando falta a energia.

E uma RAM é uma memória de acesso aleatório (Random Access Memory), pode ser lida, escrita e apagada à vontade, mas não resiste a uma falha de energia.)

Quando uma criança vê água e brinca com ela, não faz a menor ideia do que é composta, nem como reage a diversas situações.

Não sabe que não é compatível com a electricidade e que pode enferrujar ou mesmo estragar certos materiais.

Por isso é que a minha filha estragou uma boneca que falava porque decidiu dar-lhe banho.

Mas, conforme cresce, vai conhecendo certas características da água, seja por transferência de conhecimentos (alguém lhe explica), seja por empirismo (faz algo e observa o resultado).

A sua "base de dados" acerca da água cresce e altera-se. Coisas que tinha como certas podem ser "corrigidas" através desse conhecimento novo e o que tinha como certo passa para a "zona das memórias" que podem ser acedidas como referência anedótica.

A partir do momento em que a "base de dados" da água vai sendo alterada, o cérebro cria "atalhos" e algumas coisas passam a ser automáticas, como o facto de associar rapidamente a água a más experiências com electricidade e reagir quando se detecta que as duas vão entrar em contacto.

Isso um computador não faz. É um instrumento pragmático com dados e processos de manipulação de dados que não são adaptáveis. Os dados podem ser alterados numa base de dados dinâmica, com acesso aleatório, com grafos, com indexação variável, etc. Mas o programa que processa esses dados NÃO MUDA.

E no cérebro, sim. De facto, pode-se dizer, para quem percebe de programação, que a "programação interna" do cérebro lida com uma versão glorificada de "programação orientada para objectos", em que dados e processos são quase indistinguíveis, sendo todos eles altamente dinâmicos e auto-alteráveis.

Quando um ser humano aprende que 1+1=2, não tem de refazer a operação sempre que se depara com o mesmo problema. Passa a ser automático. O cérebro cria um atalho.

Mas o computador, quando tem de executar um programa simples como:




Tem de executar as operações 1+1 em todas as 1000 iterações.

SEMPRE!!! Não "aprende" que 1+1=2 e simplesmente imprime 2 sem fazer as operações.

Daí se retira que a comparação entre o modo como um computador funciona e o modo como um cérebro funciona, seja uma comparação sem fundamento.

Ainda sobre o exemplo da água, a capacidade de abstracção do cérebro leva a que seja possível criar regras novas por extrapolação ou interpolação de dados e regras. Quase como que um algoritmo de análise silogística não servisse apenas para tirar conclusões, mas também para criar premissas novas.

Coisas como: se a água é incompatível com a electricidade e a água é um líquido... provavelmente todos os líquidos são incompatíveis com a água.

Foi esta capacidade de abstracção e de relacionar objectos e reacções distintas que nos permitiu sobreviver e evoluir.

Todos os nossos antepassados que não demonstravam, mesmo que básica e primitivamente, estas capacidades, tinham uma desvantagem de sobrevivência em relação aos que a demonstravam.

Portanto, a probabilidade de morrerem antes de reproduzirem os seus genes era maior. Esses genes "maus" começaram a desaparecer ou a tornar-se recessivos.

Os nossos antepassados que demonstravam essa capacidade de interligar informação, tinham uma maior probabilidade de sobreviver e transferir os seus genes, tornando-os dominantes.

Simples.

Por Rui Batista

Sem comentários:

Enviar um comentário