sábado, 3 de fevereiro de 2018

Há comportamentos sexuais contranatura?




Como podemos distinguir o que é biologicamente determinado do que as pessoas tentam meramente justificar através de mitos biológicos? Uma boa regra é: "a biologia permite, a cultura proíbe." A biologia está disposta a tolerar um espectro muito alargado de possibilidades. É a cultura que obriga as pessoas a tornarem reais determinadas possibilidades ao mesmo tempo que proíbe outras. A biologia permite que as mulheres tenham filhos - algumas culturas obrigam as mulheres a efetivarem esta possibilidade. A biologia permite que os homens tenham relações entre si - algumas culturas proíbem-nos de concretizar essa possibilidade.

A cultura tende a afirmar que apenas proíbe o que não é natural. No entanto, de uma perspetiva biológica, nada há que não seja natural. O que for possível também é, por definição, natural. Um comportamento verdadeiramente contranatura, que vá contra as leis da natureza, não pode existir, por isso não necessitaria de qualquer proibição. Nenhuma cultura se deu ao trabalho de proibir os homens de fazerem fotossíntese, as mulheres de correrem mais depressa que a velocidade da luz ou os eletrões negativamente carregados de serem atraídos uns pelos outros.

Na verdade, os nossos conceitos de "natural" e de "não natural" não provêm da biologia, mas da teologia cristã. O significado teológico de "natural" é "de acordo com as intenções de Deus, criador da Natureza". Os teólogos cristãos argumentam que Deus criou o corpo humano com a intenção de que cada membro e órgão servisse determinado propósito. Se usarmos os nossos membros e órgãos para o propósito pretendido por Deus, então trata-se de uma atividade natural. 
Contudo, a evolução não tem um propósito. Os órgãos não evoluíram com um propósito e a forma como são usados está em constante alteração. Não existe um único órgão no corpo humano que só faça o trabalho que o seu protótipo fez quando surgiu, há centenas de milhões de anos. Os órgãos evoluem para executarem determinada função, mas a partir do momento em que existem, podem ser adaptados a outros usos. As bocas, por exemplo, surgiram porque os organismos multicelulares mais antigos precisavam duma forma de introduzir nutrientes nos seus corpos. Ainda usamos as bocas para esse fim, mas também as usamos para beijar, falar e, se formos o Rambo, para arrancar as cavilhas de granadas. Será algumas destas utilizações não natural apenas porque os nossos antepassados, semelhantes a vermes, de há 600 milhões de anos não faziam essas coisas com as suas bocas?

Da mesma forma, as asas não apareceram de súbito em toda a sua glória aerodinâmica. Evoluíram a partir de órgãos que serviam outro propósito. De acordo com uma teoria, as asas dos insetos evoluíram há milhões de anos a partir de protuberâncias no corpo de insetos sem asas. Os insetos com saliências tinham uma superfície maior do que os insetos sem elas e isso permitia-lhes absorver mais luz solar  e, assim, manterem-se mais quentes. Num lento processo evolutivo, estes painéis solares ficaram maiores. A mesma estrutura, que era boa para uma absorção solar máxima - muita superfície, pouco peso -, por coincidência também conferia aos insetos alguma apoio quando estes pulavam e saltitavam.. Os que tinham proteburâncias maiores podiam pular e saltitar para mais longe. Alguns insetos começaram a usá-las para deslizar, e a partir daí foi um pequeno passo para as asas capazes de lançar um inseto no ar. Da próxima vez que um mosquito lhe zumbir ao ouvido, acuse-o de comportamento não natural. Se fosse bem-comportado, e se contentasse com o que Deus lhe deu, usaria as suas asas apenas como painéis solares.

O mesmo tipo de multifunções aplica-se aos nossos órgãos e comportamentos sexuais. O sexo evoluiu, inicialmente, para a procriação e os rituais de corte como forma de avaliar a boa forma de um potencial parceiro. No entanto, muitos animais usam as duas coisas para uma multiplicidade de propósitos sociais, que têm pouco a ver com a criação de pequenas cópias de si mesmos. Os chimpanzés, por exemplo, usam o sexo para cimentar alianças políticas, estabelecer intimidade e aliviar tensões. Será que isso não é natural?


Extrato do livro Sapiens: História breve da Humanidade, de Yuval Noah Harari

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