sábado, 10 de fevereiro de 2018

O politeísmo das religiões monoteístas



  "As religiões monoteístas expulsaram os deuses pela porta da frente com grande fanfarra, apenas para voltar a recebê-los pela janela lateral. O cristianismo, por exemplo, desenvolveu o seu próprio panteão de santos, cujos cultos pouco diferem da veneração dos deuses politeístas.

Tal como Júpiter defendia Roma e Huitzilopochtli protegia o Império Asteca, também todos os reinos cristãos tinham o seu santo, que os ajudava a superar dificuldades e a vencer guerras. Inglaterra era protegida por São Jorge, a Escócia por Santo André, a Hungria por Santo Estêvão e França por São Martinho. Cidades e vilas, profissões e até doenças, todas têm o seu próprio santo. A cidade de Milão tinha Santo Ambrósio, enquanto São marco protegia Veneza. São Floriano protegia os limpa-chaminés, enquanto São Mateus dava uma mão aos cobradores de impostos em apuros. se sofresse de dores de cabeça, devia rezar a Santo Acácio, mas se as dores fossem de dentes, então, Santa Apolónia teria muito mais audiência.

Os santos cristãos não se assemelhavam apenas aos deuses politeístas. Muitas vezes, eram esses mesmos deuses dissimulados. Por exemplo, a principal deusa da Irlanda celta, antes da chegada do cristianismo, era Brigid. Quando a Irlanda foi cristianizada, também Brigid foi batizada. Transformou-se em Santa Brigite, até hoje a santa mais adorada da Irlanda Católica.

De facto, o monoteísmo, tal como se desenvolveu ao longo da história, é um caleidoscópio de legados monoteístas, dualistas, politeístas e animistas, que se misturam sob uma só proteção divina. O cristão comum acredita no Deus monoteísta, mas também no Demónio dualista, nos santos politeístas e nos fantasmas animistas. Os estudiosos da religião têrm um nome para esta confissão de ideias retiradas de várias fontes: chamam-lhes sincretismo. O sincretismo talvez seja, de facto, a única grande religião do mundo."


Texto de Sapiens, História Breve do Humanidade, de Yuval Noah Harari

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