Neste publicação quero agora relatar sobre o maior pilar do cristianismo. Por isso, espero a vossa máxima atenção.
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer (cf. ANDRADE, 1995, p. 59) que ser “filho de Deus”, na cultura hebraica, não significava literalmente “ser Deus”, mas era um título honorífico, como se infere de João: “A todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (João 1,12).
Já na cultura greco-romana, era muito comum a ideia mítica de alguém ser “filho de uma divindade” (no sentido literal da palavra) e de uma divindade encarnar-se em forma humana – O MITO DO DEUS ENCARNADO – daí ter sido fácil a transição da imagem judaica de “filho de Deus” para a imagem mitológica grega de “Deus o filho” (DEUS ENCARNADO NUMA PESSOA HUMANA).
Vejamos agora como Hick (ibid.) nos esclarece como a velha linguagem metafórica judaica de “filho de Deus” (no sentido adotivo), título geralmente atribuído aos reis de Israel por ocasião de suas coroações (e também atribuído a Jesus pelos cristãos do cristianismo nascente) se transformou, devido ao encontro da cultura judaica.
Com a cultura grega, na figura mitológica de “Deus o filho”, fazendo com que Jesus passasse, no cristianismo histórico primitivo, de “filho de Deus” para “Deus o filho” (DEUS ENCARNADO, SEGUNDA PESSOA DA TRINDADE).
Eis como Hick descreve esse encontro das duas culturas (a judaica e a grega), mediante o qual os cristãos fizeram com que Jesus passasse de “filho de Deus” para “Deus o filho":
... "A primitiva comunidade cristã percorreu uma trajetória cultural que se iniciou com o judaísmo e desembocou na cultura helenista do mundo greco-romano. As ideias de deificação e encarnação eram muito comuns na cultura helenista e, quando se encontram com a imagem judaica de “filho de Deus”, essas novas categorias fazem acontecer uma significativa transição na imagem cristã de Jesus: de “filho de Deus” para “Deus o filho”, a segunda pessoa da Trindade (HICK, 1977, p. 175)".
Em termos mais claros ainda, o filósofo e teólogo pluralista John Hick (ibid.) explica que:
"dentro do próprio judaísmo, a noção de um homem ser chamado “filho de Deus” já existia há muito tempo. O Messias devia ser um rei terreno descendente de Davi e os reis antigos da linhagem de Davi recebiam o título divino de “filho de Deus” ao serem ungidos na posse do cargo: as palavras do Salmo 2,7, “Ele me disse: Tu és meu filho, eu hoje te gerei“ foram provavelmente usadas nas cerimônias de coroação. Outro textochave é o 2º Livro de Samuel (2Samuel 7,14): “Eu serei para ele um pai, e ele será para mim um filho”, novamente dito a respeito do rei terreno. Portanto, a linguagem de exaltação que a Igreja inicial aplicou a Jesus já fazia parte da longa tradição judaica".
John Hick faz, com muita propriedade, o seguinte questionamento:
"Como devemos entender essa linguagem antiga da filiação divina? Literal ou metaforicamente? O rei era literalmente filho de Deus? Claro que não. Dizer que o rei era “filho de Deus” era uma forma metafórica de se expressarem as qualidades do rei. O rei está mais próximo de Deus do que qualquer outra pessoa. Por isso, ele é chamado de “filho de Deus” (Salmo 2,7). Na linguagem mitológica, diz-se que Deus o “gerou”. Mas o rei é considerado “filho de Deus” apenas por “adoção”, e não por geração física, isto é, como sendo fisicamente "filho de Deus"".
Vemos portanto que "filho de Deus" é uma expressão que pode muito bem significar "amado ou cuidado por Deus como filho" se entendermos metaforicamente. E nesse sentido, imprestando a linguagem teísta, todos somos filhos de Deus. Não tem pé nem cabeça afirmar que Jesus é o único filho de Deus, pois nesse caso, incorreremos ao pensamento mítico de uma pessoa literalmente ser filha de Deus, o que é uma falácia, pois Deus não faz sexo e não pode ter filho[emprestando a linguagem teísta]. Cabe realçar também que nas religiões antigas os deuses tinham literalmente filhos, pois poderiam se relacionar sexualmente com outros deuses ou humanos. Mas essa concepção o cristianismo não comunga. Concluo assim dizendo, que Jesus não deve ser considerado literalmente filho de Deus, e se ele for filho de Deus, então é no sentido metafórico, e se for nesse sentido, ele não deve ser o único como já demonstrei ao longo da publicação.
Texto de Gil Yossuf
Bibliografia:
ANDRADE, Jayme. O Espiritismo e as igrejas reformadas. 4. ed. São Paulo: EME, 1995.
HICK, John (Org.). The Myth of God incarnate.
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