sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Desmontando a bíblia - A profecia da virgem (Is 7:14)



Como já redatei nos capítulos antecedentes, histórias em que os salvadores nascem de uma virgem são comuníssimas em variadas mitologias anteriores ao Cristianismo, por conseguinte não é uma doutrina excluisavamente cristã. E como tenho também demonstrado, o cristianismo é uma espécie de sincretismo entre o judaísmo e as antigas Religiões de Mistérios. O problema desse sincretismo é que histórias de virgens que concebiam de Deus não faziam parte da literatura hebraica. Mas como sempre, os cristãos arcaicos arranjaram um jeito.

Argumentarei, a seguir, que esta profecia de Isaías, considerada pelos cristãos dogmáticos como uma das maiores provas do nascimento virginal e da divindade de Jesus, é, ao contrário, uma das maiores mentiras sobre Jesus. O versículo básico dessa profecia de Isaías (Isaías 7,14) é este: “A virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o chamará Emanuel [= Deus conosco]”, passagem essa que Mateus quis ver cumprida no suposto nascimento virginal de Jesus (ver Mateus 1,23).

Esclareço, com o teólogo e ex-padre católico Franz Griese (GRIESE, 1957, p. 237-240), que essa profecia não se refere a Jesus, nem à sua mãe, mas ao próprio Isaías, que se casou com uma jovem (“almah” na versão original hebraica de Isaías), e não com uma virgem (como na tradução errada da versão grega dos Setenta de Isaías), da qual teve um filho, cujo nome, Maer-Salal-Has-Baz (que significa “Pronto-saque-próxima-pilhagem”), foi dado pelo próprio Javé (cf. Isaías 8,3), também chamado pelo profeta Isaías de Emanuel (= Deus conosco) (cf. Isaías 8,8 e 8,10). 
Além disso, a tradução de Mateus, “... e o chamarão com o nome de Emanuel” (Mateus 1,23), está totalmente errada, pois, no texto grego mais antigo de Isaías, como se encontra no Códice Sinaítico, a frase correta é esta: “kai kalesei to onoma Immanuel”, que siginifica: “E Emanuel [=Javé] por-lhe-á o nome”, com a forma verbal (kalesei) na 3ª pessoa do singular, e não na 3ª pessoa do plural (kalesousin), como erroneamente foi alterado e traduzido por Mateus, para provar que a referida profecia se referia a Jesus, nascido de um parto virginal e, por isso, chamado de Emanuel (= Deus conosco), invertendo assim completamente o sentido do texto grego original de Isaías. Esse é, portanto, um exemplo clássico de texto bíblico mal traduzido e alterado para contemplar interesses cristãos.

Mateus, para defender o mito do nascimento virginal de Jesus, bem como o mito de sua divindade (Deus encarnado, Deus conosco), traduziu erroneamente a famosa profecia do profeta Isaías (Isaías 7,14): “A virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o chamará Emanuel".
Eis a passagem de Mateus em que ele traduz e comenta erroneamente esse texto de Isaías:
"Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor havia dito pelo profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamarão com o nome de Emanuel, o que traduzido significa: “Deus está conosco.” (Mateus 1,22-23)"

Na Bíblia de Jerusalém, o versículo de Isaías (Isaías 7,14) é este: “Eis que a jovem concebeu e dará à luz um filho e por-lhe-á o nome de Emanuel". Nessa versão da Bíblia de Jerusalém, não aparece mais a palavra “virgem” da versão grega de Isaías (o texto dos Setenta), a qual já é uma tradução errada da versão original hebraica “almah”, que significa “moça”, “jovem”, “donzela”, o que significa dizer que o texto hebraico de Isaías não usa a palavra “virgem”, mas a palavra “almah”, que significa simplesmente “uma jovem”, sem nenhuma implicação de virgindade. Os dogmas do nascimento virginal de Jesus e da sua divindade (Deus conosco) são, portanto, produtos desta tradução errada do termo “almah”, bem como dos outros erros cometidos por Mateus. A igreja católica também se rendeu a está verdade, razão pela qual a edição Paulina também usa "jovem" em vez de "virgem".

Mas não pensem que os cristãos vão aceitar isso de bandeja. Boa parte dos cristãos já se aperceberam disso e o argumento de "ouro" pra essa situação é que o texto de Isaías admite duplo cumprimento, e desse aspecto quero me ocupar nesse post.

É do consenso dos estudiosos da bíblia que os escritos de Mateus tinham como destinatário os judeus, com a intenção de demonstrar que Jesus era o messias por eles esperado, razão pela qual, é o evangelho que mais usa a fórmula "pra que se cumprisse". Vê-se claramente a preocupação do evangelista de ver cumpridas em Jesus as antigas profecias, coisa que ele falha miseravelmente em demonstrar. Vê-se que Mateus não apela ao duplo sentido da profecia, ele apenas recita a profecia pra mostrar que Jesus cumpriu, sendo que o contexto era totalmente diferente. Pra que se considere uma profecia com duplo sentido, o próprio texto ou alguma outra parte do tannach deveria retratar desta possibilidade, mas isto nunca aconteceu.

Porquê buscar duplos sentidos em profecias quando existiam profecias que sempre foram consideradas messiânicas e Jesus nem cumpriu as tais?
Quer convencer os judeus que Jesus é o messias com uma profecia que os próprios judeus nunca consideraram messiânica? E depois querem apelar à falácia do duplo sentido, coisa que nenhum judeu em sã consciência concorda?
Uma profecia para o consolo de Acaz terá duplo sentido com o Jesus? O texto garante isso ou Mateus com rudeza recita o texto ainda por cima adulterando "jovem" pra "virgem"?
E também, o tannach deixa bem claro que o messias seria descendente de David, e sabe-se que a descendência(na tradição judaica) foi sempre de pai pra filho. Portanto o messias teria de ter um pai[ humano] pra que fosse considerado descendente de David. A profecia de Isaías nada tem a ver com o messias, ainda que insistirmos tradução de "almah" pra virgem. 

Tenhamos em conta que o cristianismo já existia com essa doutrina do nascimento virginal, só depois foi procurar texto no tannach pra sua justificação.


Texto de Gil Yossef


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