quinta-feira, 7 de junho de 2018

Estorinhas bíblicas - Jonas e o peixe




É hora de eu contar para vocês a lenda judaica do profeta Jonas, um oferecimento do mesmos produtores da estórias da cobra falante e do sol que ficou parado no céu o dia inteiro.

Jonas era um profeta durante o século 7 AEC, ou seja, no período em que os israelitas se encontravam divididos em dois reinos: Judá ao sul, com capital em Jerusalém, e Israel, ao norte, com capital em Samaria. Jonas foi profeta durante o reinado de Jeroboão II do Reino de Israel. O livro de Jonas é bem curtinho, portanto até mesmo os leitores mais preguiçosos conseguirão acompanhar.

Durante a época de Jonas, os assírios tocavam o terror naquela região do planeta. O Império Assírio estava localizado em uma região muito irrigada e fértil e eles tinham uma abundância de cavalos. Logo eles desenvolveram uma sociedade guerreira onde todos os homens livres eram forçados a se alistar no exército. E eles gostavam muito, mas muito de violência. O que quero dizer é que execuções sumárias, tortura e mutilações eram corriqueiros naquela sociedade. Mesmo tendo um código de leis escrito, essas leis permitiam, por exemplo, que um acusado fosse torturado impiedosamente até confessar seu suposto crime. Homossexualidade era punida com severidade desumana, e as mulheres tinham um status inferior na sociedade, onde elas recebiam punições muito mais duras do que homens que praticavam o mesmo tipo de crime. A sociedade assíria era tipo uma utopia versão bolsominion. Lá se torturava primeiro e se faziam perguntas depois, gays eram obrigados a esconder-se para não serem torturados e mortos, todos os homens eram obrigados a servir no exército, estupradores eram executados sumariamente, exceto se eles estuprassem uma prostituta, ou mulher de status igual ou inferior ao seu, como uma esposa, uma escrava ou uma estrangeira, porque... elas mereciam? E o melhor de tudo é que não tinha essa estorinha de Estado Laico não, as minorias tinham que se curvar para as maiorias! Era Assíria cima de tudo e Marduk acima de todos!

Na época do rei Senaqueribe (705 a 681 AEC), o Império Assírio viveu um dos seus períodos de maior ascensão militar, quando esse rei decidiu sair por aí igual uma criança egoísta, tomando e pilhando todas as cidades que ele encontrasse no caminho. Ele achava que tudo era dele e pronto, e quem discordasse tinha que se entender com seu formidável exército. Nínive, a capital, vivenciou sua fase mais próspera com o afluxo constante de ouro, suprimentos, riquezas e principalmente escravos. Então é óbvio que a capital desse império era um dos lugares mais violentos da face da Terra naquela época. Daí que o deus Yahweh dos judeus, viu essa concorrência com sua violência e decidiu tomar uma atitude: mandou seu profeta Jonas ir sozinho lá no meio da cidade mais violenta do mundo e dizer para todo mundo que ela seria destruída!

É claro que Jonas, que não era tão burro assim, empacotou suas trouxas e partiu para o lado oposto. E quando eu escrevo isso, quero dizer que ele LITERALMENTE comprou uma passagem e embarcou em um navio para a direção oposta à Nínive, ou seja, Jonas, segundo a Bíblia, decidiu que iria morar na Espanha. Naquela época ainda não existia a Espanha, na região da Península Ibérica, mas existia uma cidade costeira muito famosa chamada Társis. E foi para lá que ele foi, achando que podia fugir do seu deus.

É óbvio, que Yahweh não iria perder a chance de trolar do jeito que ele mais gosta, ou seja, ameaçando as vidas de pessoas inocentes. Yahweh deu uma de Poseidon e convocou uma tempestade para... "agitar" um pouco o navio, igual a uma criança brincando com uma fazendinha de formigas. O navio de Jonas estava ameaçando se partir ao meio de tão forte que estava a tempestade, e sendo supersticiosos como bem sabemos, os marinheiros começaram a fazer todas as macumbarias que eles conheciam para tentar aplacar a ira divina. Cada marinheiro tinha uma religião e eles começaram a clamar cada um ao seu deus de estimação para aliviar as coisas para eles. Como isso não estava adiantando, decidiram jogar as cargas do navio para tentar aliviar seu peso.

OK, mas e Jonas? O que é que Jonas fazia enquanto rolava essa zona toda? Bem... ele foi procurar um lugar sossegado no porão do navio e dormiu... Não, eu não inventei essa parte, está escrito na Bíblia, no livro de Jonas exatamente assim: "Jonas, porém, desceu ao porão do navio, e, tendo-se deitado, dormia um profundo sono". (Jonas 1:5)

O capitão do navio, que a essa hora já estava se vendo no fundo do mar junto com seu navio, viu Jonas dormindo e disse furioso para o f***o de uma p**a acordar e fazer alguma coisa de útil, tipo clamar ao deus dele. Então Jonas fez a maior cara de c* e provavelmente disse que iria fazer justamente isso, mas na verdade foi procurar outro cantinho para continuar seu sono pesado. 

Os marinheiros, sempre supersticiosos, decidiram tirar sorte para saber por causa de quem essa tempestade estava ocorrendo. Sim, meus caros, porque todo mundo sabe que tempestades ocorrem porque alguém a bordo deixou algum deus p**o, e não por causa da dinâmica de temperaturas, umidade e pressão atmosférica tão comuns no Mar Mediterrâneo, pfff...

Então os caras tiraram a sorte, e a sorte caiu para Jonas. E aí começaram um interrogatório para saber o que Jonas tinha feito para deixar algum deus tão furioso a ponto de ele querer matar toda uma tripulação de inocentes sem nem ao menos saber o porquê. Jonas disse que era hebreu e que servia ao deus dos hebreus. Os marinheiros, que provavelmente já conheciam a reputação de sádico genocida de Yahweh, ficaram amarelos de medo e começaram a falar "Game over man, game over!" uns para os outros (igualzinho o soldado Hudson no filme Aliens, o Resgate). Os marinheiros sabiam que estavam ferrados, mas mesmo assim, perguntaram a Jonas o que se podia fazer para aplacar a ira do Jigsaw dos hebreus. Jonas pensou, e como toda pessoa que lê e conhece a Bíblia, sabia que só tinha uma coisa que acalmava deus quando ele entrava em modo berserk: sacrifício humano!

Jonas disse que se jogassem ele ao mar, a tempestade cessaria. Os marinheiros não queriam matar uma pessoa, mas também estavam com muito medo da tempestade, até que finalmente decidiram jogar Jonas do navio, mas suplicando a deus que não os considerasse culpados pela morte de Jonas, já que foi por causa do profeta que eles estavam nessa situação e que estavam apenas tentando agradar a deus para que ele não matasse todo mundo. E não foi que assim que jogaram o coitado do Jonas no mar, a tempestade cessou na hora?! E deus, sempre sádico, decidiu que ainda queria brincar uma pouco mais com a vidinha insignificante de seu profeta, portanto invocou um grande peixe para engolir Jonas vivo. Sim, para que ele sofresse ainda mais sendo digerido lentamente, igualzinho ao Boba Fett nas entranhas do Sarlaac.

No capítulo 2 do livro de Jonas, ele passa a descrever o horror que é ser engolido e digerido vivo nas estranhas de um peixe gigante. Aqui é importante salientar que essa estória bíblica é claramente uma lenda, mas que as igrejas ensinam para as pessoas que se trata de verdade absoluta, só porque está na Bíblia. Daí que, como é ridículo achar que uma pessoa sobreviveria a 3 dias sem ar e submetida à ação do poderoso ácido estomacal capaz de dissolver até ossos, usa-se a carta do "milagre divino" para explicar tudo aquilo que não é plausível.

A estorinha diz que Jonas suplicou a deus de dentro do barrigão do peixe e deus deu um comando que fez o peixão vomitar Jonas na praia. E sem dar tempo para que o homem se recuperasse do trauma de ter virado isca de tubarão, deus foi logo mandando Jonas ir para Nínive dizer que a cidade seria destruída. E Jonas foi, porque ele deve ter pensado que provavelmente ele iria continuar ameaçando a vida de mais inocentes enquanto sua vontade não fosse feita. Igualzinho a um moleque mimado.

Depois de 3 dias, Jonas chegou a Nínive e foi logo falando que nem um doido que a cidade seria destruída em 40 dias (40, lembram?). E como uma das sociedade mais violentas do mundo daquela época reagiu? Não, eles não espancaram, nem prenderam, nem torturaram, nem arrancaram a língua de Jonas ou mataram ele. Eles creram. Isso mesmo, a livro diz que eles acreditaram em Jonas.

...

Se você está com a sensação de que isso não faz o menor sentido, é porque não faz o menor sentido. Acontece que o escritor que inventou esse conto estava mais preocupado em passar uma moral para o povo judeu recém-retornado do exílio caldeu, do que em narrar fatos verídicos. É mas muita gente acredita mesmo que é tudo fato, e que um ser humano ficou 3 dias na barriga de um tubarão.

Enfim, a população inteira de Nínive resolveu da noite para o dia que seriam bons meninos e para demonstrar isso, rasgaram sua roupa, jogaram terra nas suas cabeças e fizeram jejum. A notícia chegou ao rei de Nínive. Poxa, Bíblia, nem para citar o nome da p***a do monarca de Nínive para que futuros historiadores pudessem encontrar alguma pista sobre esse relato. Isso é muito comum na Bíblia: os caras inventam as estorinhas e omitem detalhes cruciais para situar a narrativa. Qualquer pessoa inteligente saca logo que essa é uma tática para aumentar o prazo de validade dessas lendas, já que ao mencionar apenas "rei de Nínive" ao invés de citar o nome do maldito, eles fazem com que o relato possa ser imaginado com qualquer dos tantos reis que a cidade já teve.

Então, até o rei de Nínive entrou na onda de se vestir com saco, sentar nas cinzas e fazer jejum, e ainda decretou que o povo todo da cidade, incluindo animais (sim, os animais também, e eu sei que é ridículo), entrassem em um maldito jejum, e que se vestissem todos de saco. E mandou todos abandonarem seus modos violentos e recuassem do seu caminho do mal, na esperança de que deus mudasse de ideia e não destruísse a cidade e todo mundo nela.

Deu certo! Jonas 3:10 diz que deus se arrependeu (sim, o deus onisciente e infalível se arrependeu mais uma vez) de sua decisão de destruir a cidade e matar todo mundo. Beleza, né? O autor desse trecho deve ter imaginado como o mundo seria maravilhoso se as pessoas violentas simplesmente deixassem de ser violentas quando fossem ameaçadas de serem destruídas por deus.

OK, fim da estorinha esdrúxula, Jonas voltou para sua terra e todos viveram felizes para sempre... 

NOPE!

Acontece que o profeta Jonas ficou muito, mas muito irritado com isso. Afinal ele tinha quase sido morto afogado, foi engolido por um peixe e ainda arriscou a vida pregando morte e destruição na cidade mais violenta do mundo para ter esse final. É como se o Tarantino fizesse um filme sem matar ninguém. Mas espera que a resposta de Jonas foi ainda mais bizarra: "E orou ao Senhor, e disse: Ah! Senhor! Não foi esta minha palavra, estando ainda na minha terra? Por isso é que me preveni, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade, e que te arrependes do mal. Peço-te, pois, ó Senhor, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver." (Jonas 4:2,3)

...

Em linguagem atual: "Ah deus, eu não te falei? Por isso que eu nem queria ter vindo, eu sabia que você ia dar pra trás no último instante quando todo mundo começasse a fazer birra e todo o meu esforço seria à toa. Você é mole demais. Quer saber, pode me matar logo, porque eu cansei de ser seu brinquedo!"

É, senhoras e senhores, eu não sei o que pensar, porque afinal de contas, deus parece gostar de fazer seus profetas sofrerem (lembram de quando ele queria que Ezequiel comesse m***a?), e Jonas sentiu-se ludibriado por deus. Talvez ele estivesse preocupado com a sua reputação de profeta ou sei lá, porque afinal, ele falou que a cidade seria destruída pra depois deus mudar de ideia.

Mas como Jonas ainda tinha esperança de que deus se lembrasse do prazer de matar pessoas, ele ergueu uma tenda fora da cidade e ficou esperando ao longo de dias para ver que treta iria rolar. Deus então, saiu totalmente do seu personagem e resolveu ensinar uma lição ao seu servo de maneira bem didática: primeiro ele fez crescer uma videira que forneceu sombra para Jonas daquele sol quente. Quando Jonas se sentiu alegre com a sombra, deus fez uma praga secar a planta durante a noite para que Jonas ficasse sem sombra no dia seguinte. O calor do Sol e o vento seco causaram uma bela insolação em Jonas e mais uma vez ele desejou morrer por causa do sofrimento.

É aí que entra mais uma lição de moral: deus perguntou a Jonas se era certo ele querer morrer só por causa de uma videira que ele nem tinha plantado. Jonas disse que sim! Afinal, ele quase morreu de verdade de insolação por causa do calor e aquela plantinha era muito útil. Deus então disse que assim como Jonas teve compaixão daquela plantinha, muito mais ele deveria ter de uma cidade com mais de 120.000 homens que não sabem a diferença entre a direita e sua esquerda, além dos animais e...

Opa, OPA, OOPAAAA!!! Para tudo, para tudo, vamos reler novamente esse versículo bem devagar!

Jonas 4:11: "E não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que estão mais de cento e vinte mil homens que não sabem discernir entre a sua mão direita e a sua mão esquerda, e também muitos animais?"

...

"que não sabem discernir entre a sua mão direita e a sua mão esquerda"

"QUE NÃO SABEM DISCERNIR ENTRE A SUA MÃO DIREITA E A SUA MÃO ESQUERDA"

Querido deus, você matou mais gente no Velho Testamento do que o Osama Bin Laden. Pessoas ignorantes demais, que também não sabiam a diferença entre sua esquerda e sua direita, com você mesmo disse. Você matou criancinhas, idosos, mulheres e até gestantes e bebês. Por que demônios você chega no livro de um profeta menor e decide ignorar tudo o que você fez até agora e vem agora com essa filosofia pacifista? Virou esquerdista? Se tá com peninha então leva pra casa! Bandido bom é bandido morto.

Falando sério (se é que isso é possível, se tratando da Bíblia), quem escreveu esse texto deve ter lido outros livros da Bíblia e tentou fazer uma "releitura", uma "reimaginação" (igual aquela m***a que o Tim Burton fez com o Planeta dos Macacos) de deus, dirigida ao povo judeu que foi conquistado, exilado, obrigado a viver longe de sua terra em uma nação estrangeira e agora estavam voltando para tentar reconstruir sua identidade nacional e religiosa. É óbvio que eles estavam um tanto aborrecidos com tudo que aconteceu, e precisavam de filosofias novas em que acreditar, porque, convenhamos, o deus descrito na Torá é muito c**ão para conquistar qualquer tipo de simpatia. Um ser asqueroso que se pudéssemos gostaríamos de manter a maior distância possível. O autor do livro de Jonas estava tentando reconstruir a imagem corroída de Yahweh, o colocando como uma espécie de Mestre dos Magos do povo judeu. É mais ou menos quando um político tira a gravata e sai na rua beijando bebês e apertando a mão de gente pobre em época de eleição.

Quem lê e estuda a Bíblia (diferentemente da maioria dos religiosos) sabe que a imagem de um deus paz e amor, amigo das criancinhas e disposto a perdoar, foi construída ao longo de séculos. Esse deus que pregam nas igrejas é tipo um deus Nutella. O deus raiz é um psicopata genocida que gosta de se divertir matando gente aos milhares, incluindo pessoas inocentes. Ele não estava nem aí se sabiam a diferença entre o certo e o errado. Se fosse cananeu, por exemplo, era pra matar e fim de papo. Ele mandava matar até mesmo animais (por acaso animal sabe a diferença entre certo e errado) e criancinhas de colo. Foi apenas após o exílio judeu nos séculos 7 e 6 AEC que começou esse movimento de descrever deus como um ser magnânimo e clemente.

E é por isso que os cristãos não seguem o Velho Testamento, e dizem que suas atrocidades não valem mais nos dias atuais... exceto para condenar gays.

Texto de Israel Gonçalves

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